Porque é que as pessoas querem livrar-se do seu Tesla?

Por: Bruno Oliveira

Membro Efetivo nº15639

Nos últimos anos a Tesla consolidou-se como uma das marcas mais inovadoras do setor automóvel, destacando-se pela tecnologia de ponta, design futurista e compromisso com a mobilidade sustentável. Contudo, recentemente temos assistido a um fenómeno curioso: muitos proprietários estão a desfazer-se do seu Tesla.

Mas afinal de contas, o que é que motiva este comportamento? Curiosamente, os motivos que estão a levar os proprietários a vender os seus Tesla são os mesmos que os levaram a comprá-los: a perceção da marca e a apropriação dos seus valores.

A imagem da Tesla e o seu impacto na decisão de compra
O processo de decisão de compra de um automóvel não se baseia apenas em fatores racionais. Quando um consumidor escolhe um automóvel, não olha apenas para as especificações técnicas e para a sua eficiência.

Um dia, numa conversa com um amigo engenheiro que trabalha no setor automóvel, perguntei-lhe a opinião sobre um determinado veículo, comercializado a um preço ligeiramente mais acessível que a média do mercado. A resposta foi interessante: “Se quiseres um carro apenas para ir do ponto A ao ponto B, esse serve perfeitamente”.

Apesar de interessante, a resposta não me surpreendeu. Embora a principal função de um automóvel seja o transporte, quando se avança para a compra de uma viatura há outros fatores que desempenham um papel fundamental no processo de decisão, nomeadamente de cariz emocional e simbólico.

Para muitos consumidores, a aquisição de um Tesla representava não só a aquisição de um veículo elétrico tecnologicamente avançado, mas também a adesão e a apropriação de um conjunto de valores que, na sua ótica, lhes permitia aceder a um certo status social, beneficiando do posicionamento da marca enquanto líder em tecnologia, inovação e sustentabilidade.

De facto, a Tesla construiu uma identidade baseada na revolução da indústria automóvel, na disrupção dos padrões estabelecidos e na vanguarda tecnológica. Esta perceção foi fundamental para atrair um segmento de consumidores endinheirados que se identificava com esta narrativa, e que via na Tesla o reflexo da sua própria identidade.

A mudança na percepção da marca
Mais recentemente, a imagem da Tesla tem vindo a sofrer alterações significativas, não tanto devido à qualidade dos seus veículos, mas sim devido à associação do seu CEO, Elon Musk, a discursos e posicionamentos políticos controversos, polarizadores, e próximos de uma agenda extremamente conservadora, referida por muitos analistas como sendo de extrema-direita.

Independentemente da leitura política efetuada por cada um às posições de Elon Musk, a verdade é que estas têm causado um impacto real na Tesla, levando a uma desvalorização significativa do seu valor de mercado, e a uma deterioração da forma como a marca, e os seus consumidores, são percepcionados.

A importância da coerência para o consumidor
Os consumidores tendem a escolher marcas com as quais se identificam, e procuram com elas reforçar a sua identidade. O processo de escolha de um produto não é um ato blindado, sendo fortemente influenciado pela forma como o consumidor se vê a si próprio, e como quer ser visto pela sociedade.

Por esse motivo, a coerência é essencial numa marca, uma vez que pequenos desvios podem afetar a forma como o consumidor é visto, e até a forma como o próprio se vê. Assim, se a percepção em torno de uma marca se alterar significativamente, ou se esta não cumprir os valores que proclama, é natural que os consumidores reajam e procurem distanciar-se dela, chegando ao ponto de rejeitar algo que, até então, era motivo de orgulho.

De facto, o posicionamento político de Musk não só surpreendeu bastantes fãs da Tesla, como foi encarado por muitos como totalmente incoerente com os valores da própria marca. É preciso admitir que há pouco de inovador e futurista na defesa do laissez-faire e da extrema-direita, algo bem denunciado no anúncio fictício que esteve exposto numa paragem de autocarro em Londres, que promovia o “Swasticar”, o falso modelo da Tesla que “vai de 0 a 1939 em 3 segundos”.

Consequências e desafios para a Tesla
A Tesla enfrenta agora um desafio significativo, e terá de reposicionar a sua marca para não estar tão dependente da imagem (negativa) do seu CEO.

Outras empresas tecnológicas, como a Apple ou a Microsoft, conseguiram a determinada altura estabelecer identidades independentes das suas figuras centrais (Steve Jobs e Bill Gates), garantindo maior resiliência a mudanças na perceção dos seus líderes. Contudo, este é um caso diferente, uma vez que nem Steve Jobs nem Bill Gates chegaram algum dia a ter níveis de rejeição tão elevados quanto os de Musk, e a verdade é que a Tesla vive ainda muito do carisma e da personalidade de Elon Musk, tornando a dissociação mais complicada.

A verdade é que, caso a empresa não consiga redefinir a sua comunicação e distanciar-se das polémicas associadas ao seu CEO, corre o risco de continuar a perder consumidores. Além disso, a concorrência no setor dos veículos elétricos continua a crescer, com marcas como a BYD e os grandes fabricantes tradicionais a investirem fortemente em tecnologia e sustentabilidade.

A Tesla, que outrora dominava o mercado sem grande concorrência, enfrenta agora rivais igualmente inovadores, que não trazem na mala o fardo das controvérsias políticas de Elon Musk.

O Futuro da Tesla
A partir daqui a Tesla tem dois caminhos possíveis: redefinir a sua comunicação e identidade para se libertar da sombra de Elon Musk, ou continuar a apostar na figura do seu CEO, surfando a onda polarizadora mundial e assumindo o risco de afastar uma parte significativa do seu público.

Contudo, num mercado cada vez mais competitivo, onde a inovação e a reputação caminham lado a lado, a questão não é apenas se a Tesla consegue sobreviver a Elon Musk, mas se o seu público estará disposto a pagar o preço de continuar a segui-lo.

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