Do Síndroma Despesista à obsessão com o “choque fiscal”

Por: António Rebelo de Sousa

Membro da Direção da Ordem dos Economistas

Não se afigura fácil compreender a relevância do lado da procura para a dinamização do investimento sem se atender à verdadeira dimensão do Síndroma Despesista.

Se o presidente de uma confederação patronal for visitar um Primeiro-Ministro com tropismo neo-liberal e lhe disser que era preciso haver menos Estado e mais iniciativa privada, tornando-se necessário reduzir o número de funcionários públicos e o número de empresas públicas, explicando, simultaneamente, que tal contribuiria para um maior nível de confiança do sector privado e, por conseguinte, para um acréscimo do investimento na economia, o líder governamental poderia responder afirmativamente, deixando o referido presidente da confederação esfuziante.

Mas, o mesmo presidente, nesse mesmo dia, se a sua mulher lhe dissesse, à hora do jantar, que estava a pensar em investir em lojas de vestuário num conhecido centro comercial, argumentaria que era melhor esperar pelas reformas que o governo iria empreender, só depois se vendo se as consequências das mesmas passariam ou não por alguns efeitos recessivos na economia ou se, pelo contrário, haveria a prazo uma evolução favorável induzida pelo acréscimo do investimento privado. Em boa verdade, tudo dependeria das expectativas de evolução da procura.

Se houver um período de acréscimo do desemprego e de redução do consumo, então valerá a pena esperar um pouco mais para se investir.

Por outras palavras, não existe, necessariamente, automaticidade na substituição do investimento público pelo privado.

A ideia de que se afigura possível, por outro lado, assegurar que o acréscimo do investimento privado poderia, automaticamente e de forma sensível, reagir positivamente à nova conjuntura a partir do que se convencionou designar de “choque fiscal” permitiria, eventualmente, ajudar à resolução do problema atinente a um ajustamento estrutural na economia.

Deixando, de forma discutível, de lado a questão das expectativas de evolução da procura, seria possível argumentar-se, na linha do pensamento dos “supply siders”, com a conhecida curva de Laffer, dizendo-se que a redução dos impostos conduziria ao aumento de rendimento disponível – quiçá sem uma redução substancial das receitas fiscais – e, por conseguinte, ao incremento da poupança, o que, por sua vez, levaria ao aumento do investimento, dada a igualdade “ex ante” entre poupança e investimento.

Mesmo sem relembrar que Keynes pôs em causa a igualdade “ex ante” entre poupança e investimento, seria sempre útil saber-se em que ramo da curva de Laffer se encontraria a economia em causa, uma vez que se, porventura, se situasse no ramo ascendente poderia haver um impacto negativo nas receitas fiscais e, por conseguinte, nas contas públicas.

E tal poderia pôr em causa toda uma política de rigor nas Finanças Públicas.

Do que se disse importa retirar duas lições.

A primeira consiste no facto de nem sempre haver, num curto espaço de tempo, substituibilidade do investimento público pelo privado, tudo dependendo das expectativas que, entretanto, se gerarem na procura interna e externa.

A segunda tem que ver com a indispensabilidade de só se pensar num “choque fiscal” depois de se ter alguma ideia concreta sobre o ramo da curva de Laffer em que está a economia em questão.

Há decisões que não podem ser tomadas, apenas, por intuição ou – o que é pior – por mero fundamentalismo ideológico.

Nem mais, nem menos…

In Diário de Notícias – 14 de dezembro 2024

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