De uma UE resiliente

Por: António Rebelo de Sousa

Membro da Direção da Ordem dos Economistas

Infelizmente, alguns economistas entendem que a UE está, necessária e irreversivelmente, em decadência: distancia-se, em termos de dinâmica de crescimento, dos EUA e da China, passa por um período de emergência de movimentos nacionalistas-populistas antifederalistas, a França e a Alemanha (eixo do desenvolvimento europeu) estão em crise, irá conhecer um presidente dos EUA hostil ao projeto europeu e conhece, ainda, uma situação de guerra na Ucrânia como já não sucedia desde os idos tempos da II Grande Guerra Mundial. Enfim, tudo corre mal, não parecendo haver solução para o projeto europeu.

Jean Monet e Robert Schuman deixariam de acreditar no projeto europeu se estivessem, hoje em dia, vivos.

Não sou dos que pensam assim, antes considerando que o projeto dos “Pais Fundadores” continua vivo para a generalidade dos europeus esclarecidos.

A UE conseguiu passar pelas fases da Zona de Comércio Livre, de União Aduaneira e Mercado Comum, chegando à fase de União Económica e Monetária, integrando, na altura, 15 Estados-Membros e tendo de recorrer a mecanismos de decisão complexos e altamente morosos.

Mesmo depois de tudo isso, já com novos alargamentos, ultrapassou a “crise do euro” de 2011-2014, superou a situação pandémica pós-2019 e tem resistido à invasão russa de há cerca de três anos a esta parte, tendo passado pelo Brexit e por sucessivos “boicotes internos”, com destaque para a Hungria do Sr. Orbán.

E mesmo com essas contrariedades aprofundou a União Económica e Monetária com a União Bancária, já enveredou, em situações particularizantes, pela mutualização da dívida, tem um presidente do Conselho Europeu e uma presidente da Comissão Europeia capazes e está a ponderar o aproveitamento de muitas sugestões do Relatório Draghi.

Será tudo isto um indicador de desistência?

Sei que, ao falar em presidente da Comissão Europeia capaz, muitos correligionários meus se sentirão ofendidos pelo elogio a alguém da direita conservadora. Acontece, todavia, que, sendo o autor do presente texto de esquerda moderada, não deixa de preferir uma europeísta democrata confessa a alianças com setores antieuropeístas e da esquerda não democrática.

Se estivesse no Parlamento Europeu, teria sido dos deputados de esquerda (que os houve) que votariam em Ursula von der Leyen.

E não se afigura líquido que a Alemanha não venha a superar a presente crise, construindo um governo CDU-SPD, uma vez que o SPD pertence à esquerda que sabe distinguir o inimigo principal dos inimigos secundários, nas circunstâncias presentes.

Como não se afigura líquido que a França não consiga construir uma solução governativa, a médio prazo, com setores que integrem socialistas, centristas e republicanos moderados.

E como não se afigura líquido que o endividamento público da França, em 2025 e 2026, venha a atingir um montante tão elevado que o Governo seja confrontado, necessariamente, com uma situação de rutura.

Sempre advoguei a tese de que o BCE deveria ser autorizado a comprar dívida pública de Estados-Membros em situação particularmente difícil no mercado primário “a la Roubini”.

Ora, é aí que estamos, presentemente.

Sou dos que entendem que se a França vier a conhecer um aumento de dívida pública para 118 ou 120% do PIB, no decurso do próximo ano, o BCE deverá negociar diretamente com o Governo francês a aquisição de dívida pública em condições especiais, afastando o cenário do caos.

E isso permitirá a Macron “comprar tempo” para fazer os ajustamentos que vierem a ser tidos como convenientes.

É evidente que a UE conhecerá problemas graves, que a guerra na Ucrânia poderá ser um detonador de uma situação particularmente crítica para a Europa e para o Mundo.

Mas, a UE, ainda não acabou e deve continuar a merecer a confiança dos europeus.

O pior que pode acontecer à Europa é estar confrontada com uma pseudo-elite governante (ou próxima da governação) que já não acredita no projeto europeu e que não sabe distinguir o inimigo principal (a direita populista nacionalista exacerbada) dos adversários que, estando a competir com a esquerda democrática, são, também eles, defensores da democracia e da liberdade.

Nem mais, nem menos…

In Diário de Notícias – 3 de janeiro de 2025

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