Brasil e BRICS+

Por: João Abel de Freitas

Membro Efetivo nº11400

O Brasil e a Índia são muito reticentes sobre a composição futura dos BRICS e não alinham numa “aliança anti-Ocidente”, privilegiando a qualidade à quantidade.

 

A Presidência do Brasil

O Brasil assume a Presidência dos BRICS+, por um ano, a partir de 1 de Janeiro de 2025. O desempenho da Presidência é um direito atribuído a cada um dos países-membros, segundo normas estabelecidas no seio do grupo para o exercício dessa função, pelo período de um ano e de forma rotativa. O Brasil, para cumprir as regras, deveria ter assumido a Presidência dos BRICS em 2024, mas como, em simultâneo, detinha a Presidência do G20, solicitou adiamento de um ano e, em seu lugar, avançou a Rússia. Aliás, o Brasil já exercera essa função, em 2019, com Bolsonaro no poder.

Lula da Silva, que não esteve presente, fisicamente, na 16ª Cimeira dos BRICS, realizada em Kazan/Rússia entre 22 e 24 de Outubro 2024 (alegadamente por motivos de saúde), na sua intervenção por videoconferência, dirigida à sessão plenária de líderes, aproveitou para lançar o lema da Presidência do Brasil para 2025: “Fortalecimento da cooperação do Sul Global para uma governança mais inclusiva e sustentável”. Um lema que é um “mundo”…

Aproveita ainda a ocasião para avançar temas muito “caros” ao Brasil, a abordar durante a Presidência, entre eles, a reforma da governança global e o desenvolvimento sustentável, fazendo aqui uma ligação com o G20 onde colocou grande enfoque nestas temáticas, bem como a desdolarização das economias, nomeadamente entre os países BRICS, (na opinião do Brasil, a avançar com demasiada lentidão) e a luta por um mundo multipolar.

O grande trabalho do Brasil na Presidência dos BRICS vai concentrar-se, em termos de tempo, sobretudo no primeiro semestre, uma vez que recebe no segundo a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30). Lula da Silva está muito empenhado nesta realização das Nações Unidas, uma vez que o meio ambiente constitui uma grande aposta sua, neste 3º mandato de Presidente do Brasil.

No entanto, no segundo semestre, haverá espaço e tempo, penso eu, para a organização da Cimeira dos BRICS (a 17ª) que costuma simbolizar o fecho nobre de cada Presidência. Aliás, o último ponto da declaração conjunta da Cimeira de Kazan é bem claro a este respeito: Estendemos total apoio ao Brasil em sua presidência do BRICS em 2025 e na realização da XVII Cúpula do BRICS no Brasil (tradução brasileira).

 

A 16ª Cimeira Kazan/Rússia – curto Balanço

Esta 16ª Cimeira foi a primeira, pós o alargamento, que conta agora 9/10 países membros (os cinco BRICS, mais Egipto, Irão, Etiópia, Emiratos Árabes Unidos (9) e Arábia Saudita, que ainda não completou a adesão). Em 2024, a Rússia presidiu aos BRICS e, entre outras iniciativas, organizou a 16ª Cimeira, cuja preparação é muito trabalhosa, nomeadamente a declaração final, pelos afinamentos específicos que exige.

A declaração de Kazan contém 134 pontos, organizados segundo três itens, onde a palavra COOPERAÇÃO é bem marcante: aprofundamento da cooperação para a estabilidade e segurança global e regional; promoção da cooperação económica e financeira para um desenvolvimento global justo; fortalecimento do intercâmbio entre pessoas para o desenvolvimento social e económico.  Esta declaração, por sua vez, é encimada pelo Fortalecimento do MULTILATERALISMO para o desenvolvimento e a segurança globais justos.

A Cimeira contou com a presença de líderes ou representantes de 36 países, entre eles, a Turquia, país da Nato, que solicitou adesão aos BRICS. O foco daquela incidiu sobre o prosseguimento na procura de um sistema alternativo de Pagamento Internacional que a vingar levará a prazo ao enfraquecimento do poder dos países do Ocidente na economia mundial e, designadamente do dólar, como arma política, frequentemente usada.

Aliás, o grupo dos BRICS tem uma história interessante neste século XXI. Nasceu e continua a desenvolver-se em contraponto ao Ocidente por este não reconhecer, nem respeitar o peso do grupo na economia Mundo, impossibilitando-lhe a participação, em termos adequados, em Instituições como o Banco Mundial, FMI, Conselho de Segurança da ONU.

O que une países tão díspares entre si sob múltiplos campos é, na realidade, “a desconsideração” com que o Ocidente os trata. Os BRICS entendem que incorporam o (res)sentimento do Sul Global e, nesse sentido, batem-se contra esta discriminação, procurando construir alternativas em bases de funcionamento diferentes.

 

Guterres participou e bem na Cimeira dos BRICS+

A viagem de Guterres a Kazan mereceu a reprovação da Ucrânia por nessa Cimeira participar Putin e a Rússia deter a Presidência. Mas, os BRICS são muito mais que Putin, embora esta Cimeira, não se nega, tenha tido um significado especial para Putin. Recebeu em território russo vários chefes de estado e primeiros-ministros, o que nos EUA e União Europeia fez mossa e com muitos deles teve reuniões bilaterais.

Os BRICS assumem, sem dúvida, uma dimensão demográfica, económica, social e política no Mundo, que a ONU não pode esquecer, nem secundarizar. Aliás, estes países sentem-se demasiado ostracizados pelo Ocidente e a ONU, no seu sentido dos equilíbrios, fez bem em fazer-se representar e agir em conformidade.

António Guterres cumpriu a sua função, tanto que, ao dirigir-se à Cimeira dos BRICS, fez o apelo acertado ao fim imediato da guerra na Ucrânia, dizendo: “precisamos de paz na Ucrânia, uma paz justa em conformidade com a Carta das Nações Unidas, o direito internacional e as resoluções da Assembleia Geral”.

Sobre a guerra também Xi Jinping referiu: “a China e o Brasil apresentaram um plano de paz para a Ucrânia e procuraram um apoio internacional mais alargado. A Ucrânia rejeitou”.

 

Critérios de adesão aos BRICS

A adesão aos BRICS foi um ponto-chave desta Cimeira, como já o tinha sido na anterior. Havia várias candidaturas. A adesão depende de quem desempenha a Presidência endereçar convite a países que manifestaram interesse: 13 países, entre eles a Turquia, a Indonésia e o Vietname foram convidados, não para uma adesão plena, mas na qualidade de Estados Parceiros, uma nova formalização que não dá entrada plena nos BRICS.

O alargamento é uma matéria sensível e o grupo ainda não conseguiu especificar os requisitos de aceitação. Há discordâncias e receios. Uma área onde se avança com pinças. O Brasil e a Índia são muito reticentes sobre a composição futura dos BRICS. Sabemos que o Brasil vetou o convite de parceria à Venezuela e Nicarágua. Índia e Brasil não alinham numa “aliança anti-Ocidente” e privilegiam a qualidade à quantidade. Certamente irá continuar a predominar o critério do entendimento comum na adesão.

Surgiu, neste contexto, a modalidade de país-parceiro, um conceito ainda ambíguo, que poderá trazer algum conforto a muitos países candidatos, pois podem participar e ser ouvidos. Entendem os líderes dos BRICS que a parceria com os países em desenvolvimento levará a um aprofundamento da cooperação internacional. A unidade entre os BRICS e os parceiros é uma tarefa árdua e a fazer-se sem pressas. Uma modalidade a requerer uma tessitura muito cuidadosa.

Nota final. Quando este artigo for divulgado, estaremos certamente no apuramento ou rescaldo dos resultados das eleições americanas. Para John Bolton, ex-conselheiro da Segurança Nacional na Casa Branca, “Putin e Xi Jinping olham para Trump como um idiota útil”. Aqui deixo a pergunta. E se este idiota útil ganha as eleições? Até os BRICS serão ‘abalados’.

 

In Jornal Económico – 06 de novembro de 2024

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