
Por: René Cordeiro
Membro Efetivo nº56
“É a economia estúpido”, lançou James Carville, assessor de Bill Clinton nas eleições de 1992. Esta expressão, feita slogan, significa que se os eleitores forem tratados como consumidores, as suas escolhas racionais manterão as políticas no âmbito consensual (cito Richard Seymour, em Disaster Nationalism). Em resumo, o vendedor disponibiliza aos consumidores o que devem comprar, a baixo preço, independentemente dos efeitos que venham a verificar-se. Todavia, o slogan só aparentemente aponta à razão nas escolhas. Porque, como nos recorda David Hume, no momento da opção o sentimento prevalece sobre as razões.
Quando observo a evolução da nossa sociedade nos últimos 50, 60 anos (intervalo que a minha memória abarca, utilizando a experiência como instrumento de observação), esta a conclusão que tiro: uma população, aparentemente e na sua maioria crescentemente igualitária, no que ao aspecto e ao rendimento médio concerne, com uma moda crescentemente maior disfrutando de rendimentos mínimos próximos dos médios e de uma minoria com rendimentos muito mais elevados hoje, do que no inicio daquele intervalo. Logo, maioria crescentemente igual, gozando de lazeres significativos devido a preços baixos, apesar dos impostos directos elevados. Isto é, uma sociedade com atributos socialistas por definição. A que há apenas que acrescentar, pela essência destes atributos, a perspectiva internacionalista (melhor dito, universalista) e anticapitalista moderada pela conciliação do socialismo com a democracia política e pelas necessidades impostas pelo liberalismo contemporâneo.
A estas observações acrescento uma total ausência de respeito, por parte dos decisores políticos, das necessidades de preservação do que se tem e que deve preservar-se no interesse nacional, e dos critérios capacidade e carga nos diversos domínios da nossa vida. Portanto, as decisões reportam-se ao imediato, ouvindo-se de quando em vez referências às necessidades de desenvolvimento económico. Tema sobre o qual já escrevi algumas vezes, as últimas no ano passado sob os títulos Economia e Desenvolvimento e Acelerar a Economia, em que apresentei alguns contributos. Escrevo na sua continuação.
Sabemos que a opinião pública é o critério governativo das sociedades democráticas contemporâneas. Mas esse critério devia aplicar-se por forma a que a opinião do cidadão fosse informada em ordem a que a produzisse assegurando o interesse soberano de Portugal e dos portugueses e prevenisse, tanto quanto possível, as contingências a que todos estamos sujeitos. (Por isso considero a Suíça o melhor exemplo de prática democrática seguida, a alguma distância, pelo Reino Unido).
Há duas decisões determinantes do desenvolvimento económico das empresas, que também se aplicam (deviam aplicar-se) no âmbito da governação do Estado: afectação de recursos e exploração de oportunidades que, por serem causais e com eficácia exigindo condições de elaboração e concretização lentas, só produzirão resultados a longo prazo. E a condição que o longo prazo coloca à satisfação das necessidades correntes (curto prazo) é que estas não ponham em causa o objectivo de longo prazo, suportado por aquelas duas decisões, causas de efeitos desejados. De que decorre que estes sejam percebidos por todos os cidadãos (percepção que significa, também, que benefícios do prazo longo haverá que não serão por todos disfrutados) o que me parece exigir i) o equilíbrio entre medidas para os dois horizontes temporais e, ii) apresentação de objectivos coerentes, planos e orçamentos plurianuais com os resultados estimados deles derivados. O necessário claro conhecimento do longo prazo ― objectivo(s) e o que fazer para o(s) prosseguir ― é fundamental porque é este horizonte temporal que paga as despesas do curto prazo e porque é aquela clareza que mobiliza e energiza as pessoas. E porque o desenvolvimento da civilização ― crescimento da urbanização ― exige, mais do que menos, a autoridade do Estado (sociedade politicamente organizada) exercida pelos agentes que o dirigem, essa autoridade tem de ser entendida para ser genuinamente respeitada.
É o curto prazo, o gosto pelo imediato alimentado por estes agentes, que explica o endividamento, o crédito ao consumo, que afasta inexoravelmente o prazo longo da prática governativa, não mascarando a retórica a evidência.
Porque sabem bem os economistas, enquanto dedicados à Economia, que o desenvolvimento económico é, estrategicamente, um objectivo a prosseguir no longo prazo e, operacionalmente, um processo, uma sequência, com actividades bastante rígidas (se assim não for, a sequência é caótica). Porque é de constituição de capital, que se trata.
Primeiro, o capital humano: ensino, educação e desenvolvimento intelectual visando o entendimento necessário sobre a natureza das coisas e dos fenómenos da História, formatando competências metodológicas individuais de como fazer, nelas incluindo o conhecimento científico e tenológico; saúde; permanente alimentação de condições de preservação do crescimento da população portuguesa e da sua cultura;
Depois, o capital infra-estrutural, com as exigências progressivas de saneamento básico, de redes viárias, de energia, de segurança;
Seguidamente, o capital natural: ar e água saudavelmente utilizáveis, biodiversidade, solos férteis, protecção da natureza;
Por último, o capital social: a confiança dos cidadãos em objectivos credíveis, em propostas coerentes e na sua execução, que conduzirá uma maioria a “achar que vale a pena”. Porque este vale a pena implica um horizonte temporal que tem de ser aceite, porque exige uma taxa de poupança nacional, a partir de um produto nacional sustentável, cujo valor deve ser superior àquelas necessidades de capital para que a economia produza maior capacidade exportadora.
Queremos todos, novos ou velhos, conforto no presente e esperança no futuro. Para os crentes, esta esperança repousa na imortalidade da alma. Mas convenhamos que, restringindo os dois elementos à vida material, só progredimos com o nosso esforço próprio, pelo que se não damos preponderância ao longo prazo, estaremos sustentadamente a “construir” um curto prazo mais pobre e dependente. Porque o desenvolvimento económico impõe regras e procedimentos que não se vergam a desejos delas e deles divergentes. Tal como as empresas que só se (pre)ocupam com os resultados passados (que já incluem os correntes), olvidando que os futuros dependem da sua preparação, não podem conhecer grande desenvolvimento.
Porque não é possível sentir tudo de todas as maneiras, viver tudo de todos os lados, ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo, como escreveu F. Pessoa (Álvaro de Campos).