Por: Jorge H. A. Saraiva
Membro Efetivo nº 16383
O crescente e amplificado recurso, às tecnologias da Inteligência Artificial no processo produtivo de bens e serviços, antecipa consequências muito significativas[1] no mercado de trabalho [2], na economia e na sociedade.
Oportunidades
O nosso país é um dos que, mais utiliza e implementa as novas ferramentas e tecnologias de informação. Encontra-se nos primeiros lugares do ranking mundial de “e-government”, “e-banking” e acessibilidade ao mundo digital [3].
Somos também um conceituado fabricante de plataformas de software, implementadas por todo o mundo, com especial destaque na lusofonia, um mercado alvo com mais de 260 milhões de pessoas.
Este maravilhoso “mundo novo” que afinal ainda é jovem tem o céu como limite para a inovação e um impacto profundo na competitividade do país.
Ameaças
No mundo do trabalho, as transformações são no mínimo, preocupantes e anteveem tensões sociais diversas. A IA traz consigo novas formas de domínio, amplificando as dinâmicas de “winner takes it all”, a anunciada substituição da força de trabalho, levará à extinção de milhões de empregos qualificados (Brynjolfsson 2017). Serão substituídos, por mecanismos capazes de resolver problemas e de aprenderem sozinhos (Furman 2016), na medida que processam mais informação (dados) “Knowledge Based Systems”[4] para resolver problemas.
Segundo um estudo do BCE (Albanesi Stefania 2023) as TI impactam o emprego e os salários, bem como a sua distribuição: primeiro, destruindo empregos, porque automatizam tarefas (efeito obsolescência); em segundo lugar, “racionalizando” o trabalho, aumentando a produtividade, indiretamente, resultando em maior oferta (Y=efeito produtividade); em terceiro lugar, uma combinação de ambos: algumas tarefas e empregos vão sendo substituídos por outros, que vão sendo criados, fruto da inovação (efeito de reintegração).
Desta forma, o rendimento dos trabalhadores deixa de acompanhar a produtividade (COLANDER 2000). Durante cerca de duzentos anos, os vencimentos acompanharam ou estavam indexados ao crescimento da produtividade, fomentando a ideia de que a tecnologia não era uma ameaça (Arthur 2017). Todavia, os modelos económicos mais complexos demonstram que a tecnologia cria situações de concentração e enviesamento. Uma das principais desigualdades observadas, ocorre ao nível do rendimento nacional [5], onde os detentores do capital e os trabalhadores se encontram cada vez mais distantes (Brynjolfsson 2017).
A IA irá aumentar a vantagem do capital [6] na luta pelo poder (Agrawal 2018). Os governos e a políticas públicas tem efetivamente apoiado a introdução de IA no tecido empresarial, de forma que o avanço tecnológico dos seus países acelere ou pelo menos não se atrase. Em abril de 2018, a Comissão Europeia apresentou um plano para promover o desenvolvimento e a utilização da IA em toda a Europa, Noruega e Suíça [7].
Impactos (antevisão)
Impacto I
O capital está a acumular-se numa elite tecnológica o que cria um fosso entre as empresas com recursos para investimento em IA, logo líderes, e as restantes, seguidores residuais. A IA está a levar ao domínio da lógica “Winner takes it all” promovida pelas economias de escala (Furman 2016).
A incitação de talentos e competências, segundo a UE, é essencial para o desenvolvimento e aplicação da IA na Europa, visto existir uma grande escassez de especialistas. A EU pretende apoiar programas de estudos avançados ligados com a IA, capacitando financeiramente esta transição [8].
Para que seja possível construir a confiança nas sociedades, a UE quer desenvolver a IA de forma a respeitar os direitos e normas de forma ética. Neste contexto, um dos principais incentivos é a criação de programas de formação financiados pelo Fundo Social Europeu. O quadro financeiro para o período 2021-2027 tem como principal eixo o apoio à formação em competências digitais avançadas, com conhecimentos específicos na área da IA [9].
Todavia, as políticas públicas não contemplam, ainda, a reorganização do trabalho e dos serviços, sem excluir (Frey 2013), para combater o fosso, entre a Europa, os EUA e a China.
Prevê-se que o crescimento per capita nos países mais desenvolvidos irá desacelerar: os EUA poderão vir a decrescer 0.5% ao ano, entre 2050 e 2100. Esta análise, baseia-se na comparação histórica de sucessivas vagas de inovação, desde o motor a vapor, à revolução das TI. A métrica tem-nos mostrado que é praticamente impossível um crescimento de 1.5% por ano em países desenvolvidos (Gordon 2016)
Assim a questão que se coloca é: Se a introdução da IA irá fomentar ou fazer regredir esta tendência?
Como já foi referido, a IA entra na equação, para favorecer o lado do capital, dados recentes sobre Portugal, afirmam que, representará um volume de 15.000 mil milhões de euros[10], cerca de 6% do PIB.
Impacto II
Temos de ter em conta, que num planeta exaurido de recursos, confirmando a máxima da escassez (MILL 1983) [11]. A energia é imprescindível para “alimentar” este escopo tecnológico, a par com a água. A LEI da oferta e da procura antevê um impacto “meteórico” e quiçá? Catastrófico nas economias, senão vejamos:
Em larga escala, terá um impacto energético significativo [12], potencialmente, superando a procura de energia de países inteiros, o que pressionará os preços de forma reveladora com impacto transversal [13].
Se, cada busca no Google fosse alimentada por IA, seriam necessários aproximadamente 29,2 TWh de energia por ano – correspondente ao consumo da Irlanda[14]–. Na mesma razão de projeção, o consumo global de eletricidade relacionado à IA poderá aumentar de 85TWh para 134 TWh anualmente até 2027 [15].
Conclusão
O significado de inovar deixou de ser apenas introduzir novidades, tendo associada uma perda/ganho, nesta “nova” semântica, entra obrigatoriamente a sustentabilidade, de onde podemos retirar um paralelismo para a Lei de utilidade marginal do capital (Jevons 1888).
Assim, a tendência será para o capital ganhar mais força à custa do trabalho, provocando distorções, como um verdadeiro anátema. Sendo essa distorção, um presumível detonador de maiores e mais frequentes tensões sociais, seja pelo fator trabalho, seja pelo custo energético. Porém e em jeito de esperança “… é duvidoso que a vida realmente, possa ser reduzida só a fluxos de dados…” [16].
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Accenture. Relatório de sustentabilidade da Accenture Portugal. Relatório Técnico, Lisboa: Accenture, 2022.
Agrawal, A., Gans, J. & Goldfarb, A. Prediction Machines. The Simple Economics of Artificial Intelligence. Boston – Massachusetts: Harvard Business Review Press, 2018.
Albanesi Stefania, Silva António Dias, Jimeno Juan F., Lamo Ana, Wabitsh Alena. “New technologies and jobs in Europe.” European Central Bank – Working Paper Series No 2831, Julho 14, 2023: 66.
Arthur, B. Where Is Technology Taking The Economy. In Artificial Intelligence Takes Shape – AI Is Poised To Transform The Workplace And The Economy. Mckinsey Global Institute, 2017.
Brynjolfsson, E., McAfee, A. & Cummings, Jeff. The Second Machine Age. Work, . New York: The Second Machine Age. Work, , 2017.
COLANDER, D. “The death of neoclassical economics.” Journal of the History of Economic – Volume 22 – Nrº 2, 2000: 127-143.
Frey, C. & Osborne, M. The Future of Employment: How Susceptible are Jobs to Computerisation. Oxford: Oxford Martin Programme on Technology and Employment, Working Papers, 2013.
Furman, J., Holdren, J., Muñoz, C., Smith, M. & Zients, J. Artificial Intelligence, Automation, and the Economy. Washington DC: Executive Office of the US President , 2016.
Gordon, Robert. The Rise and Fall of American Growth: The U.S. Standard of Living. Princeton: Princeton University Press, 2016.
Harari, Yuval Noha. Homo Deus – A brief history of tomorow. HarperCollins, 2016.
Jevons, William Stanley. The Theory of Political Economy. New York: Mamillan & Cª, 1888.
Mackinsey. O estado da inteligência artificial em 2023 – O ano do crescimento explosivo da inteligência regenerativa. Realtório Técnico, Mackinsey & Cª, 2023.
MILL, John Stuart. Princípios de economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
PWC. Breve olhar sobre a economia. Relatório Técnico, Lisboa: PWC, 2023.
[1] O Think Tank Bruegel estima que “54% dos empregos na União Europeia podem estar em risco, nos próximos 20 anos. Sairão beneficiados os trabalhadores mais qualificados, capazes de serem criativos e inovadores “
[2] “Um dos impactos mais importantes será o aumento da produtividade, por via de uma maior eficiência na utilização do fator trabalho. A Accenture, por exemplo, numa análise aplicada a uma dúzia de economias, estima que estas dupliquem o seu crescimento em 2035 e que os ganhos de eficiência associados ao fator trabalho rondarão os 40%. A PwC refere que o crescimento da economia global pode cifrar-se em 14% em 2030 e a McKinsey estima que 70% das empresas adotarão, pelo menos, um tipo de tecnologia de IA”.
[3] https://www.compete2020.gov.pt/pesquisa/detalhe/NL_209.
[4] São programas computacionais que utilizam bases teóricas de conhecimento e aprendizagem.
[5] “…apesar das mudanças tecnológicas na produção, a parcela do PIB total destinada ao trabalho tem sido surpreendentemente estável…”
[6] “Passando de uma lógica de produtividade para uma de distribuição, de uma era tecnológica para uma era política.”
[7] https://ec.europa.eu/portugal/news/boost-artificial-intelligence-made-europe_pt acedido 23/12/2023;
[8] https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/IP_18_3362 acedido a 23-12-2023;
[9] Idem;
[10] Estudo elaborado pela “Public First” para a Google, publicado a 24/10/2023.
[11] “…as necessidades são ilimitadas e os recursos limitados.”;
[12] https://www.nytimes.com/2023/10/10/climate/ai-could-soon-need-as-much-electricity-as-an-entire-country.html;
[13] https://digiconomist.net/powering-ai-could-use-as-much-electricity-as-a-small-country/;
[14] https://www.newscientist.com/article/2396064-should-we-be-worried-about-ais-growing-energy-use/;
[15] https://www.bbc.com/news/technology-67053139;
[16] Harari, Yuval Noha.
Uma resposta
Por um lado, é de esperar um aumento da exclusão tecnológica e, por outro, uma diminuição de certas capacidades cognitivas, dado que deixaremos de efectuar certas operações mentais.
A este propósito, a História da Matemática mostra como nalgumas civilizações antigas, como a egípcia, mesopotâmica e grega se efectuavam cálculos que hoje são muito simples de fazer. É um quebra-cabeças utilizar os seus algoritmos; já perdemos o treino.