UE muito fragilizada frente a Trump 2.0

Por: João Abel de Freitas

Membro Efetivo nº11400

A Europa há muito não é uma zona prioritária para os EUA e para Trump nunca foi. Essa é a Ásia. E ainda a Nato. Trump sempre achou que a Europa paga pouco. Mais um problema a acrescentar.

Deficiências estruturais da União Europeia

Com a invasão da Ucrânia pela Rússia, vieram ao de cima os desencontros de fundo na União Europeia. A UE, por demasiada influência/imposição da Alemanha, assentou, desde o tempo de Schroeder e Merkel, o seu modelo de desenvolvimento socio – económico, na energia barata de origem fóssil, comprada à Rússia (gás, petróleo e mesmo carvão e produtos derivados), ou seja, criou os alicerces de uma dependência sem defesas alternativas.

A invasão da Ucrânia trouxe uma desorientação/desvario à Europa. Avançou-se para sanções económicas à Rússia, sem medir as consequências na economia e sociedade europeias, designadamente porque as sanções avançadas ponham em causa, sem alternativas válidas, os modelos energéticos e de desenvolvimento construídos. Ainda houve quem hesitasse, Macron, Scholz…

No entanto, a pressão dos EUA foi tamanha que Ursula von der Leyen se adianta no alinhamento imitativo das sanções, arrastando, nessa onda, os países, que “se esqueciam” de algo determinante: a Europa não tinha recursos energéticos próprios equivalentes aos EUA, pelo que a sua situação nos mercados internacionais de aquisição complicar-se-ia com aquele tipo de sanções, como, aliás, aconteceu e continua a acontecer, chegando-se ao ponto da UE ter de continuar a adquirir energia de origem russa (por esquemas “maquiavélicos”), a preços 2 e 3 vezes superiores.

Os governos europeus alinharam, de modo insensato, contra os interesses dos seus países e da União Europeia nas sanções americanas, com a consequente perda de competitividade comparativa (aumentos de preços) face às restantes zonas económicas. Com isto, não pretendo afastar possíveis sanções, mas nunca sem antes de qualquer pensamento autónomo e adequado à realidade europeia.

E as crises começaram a suceder-se em catadupa.

Hoje, temos uma Europa penalizada, bem mais fragilizada do que era ou parecia, em profunda desindustrialização com vários sectores (eletromecânica e química) em crise aguda, encerramentos ou deslocalização de empresas e os dois principais países, Alemanha e França, em situação económica e política críticas, decorrente sobretudo de duas questões essenciais : inexistência de uma estratégia global e de estratégias sectoriais, definidas e sustentadas nas reais potencialidades da União Europeia de que se releva a energia, quase diria, a base de tudo.

Faltam, assim, instrumentos básicos de progresso, estratégias ajustadas às características da União Europeia e à evolução da Ciência e vontade política para fazer a UE avançar em bases sólidas. A União Europeia anda à deriva. Trabalhos técnicos não faltam, os mais conhecidos de Enrico Letta e Mario Draghi. Efeitos zero. Outros virão, com o mesmo destino. Como pode, por exemplo, a UE pensar numa posição adequada na Inteligência Artificial (IA), sem dúvida uma área de futuro e com futuro, sem equacionar a energia, sabendo-se que as actividades de IA são altamente consumidoras de electricidade e, no contexto da correcção das alterações climáticas, necessariamente de energia de baixo carbono?!

Não é por acaso que os grandes potentados tecnológicos, Microsoft, Google, Amazon… viraram-se para a energia nuclear para assegurar, a médio prazo, o seu “domínio” nas áreas da IA (centros de dados e plataformas) fortemente consumidoras de electricidade. Estão a incentivar o fabrico de SMR – pequenos reactores modulares, com produção esperada, a partir de 2030.

A União Europeia, pelo que acaba de se referir, encontra-se em desvantagem, fragilizada e, neste momento, ou sendo mais rigoroso, a partir de Janeiro, vai ter que enfrentar uma outra política económica de teor protecionista, radicalmente diferente, que choca frontalmente com a UE, a de Trump 2.0, para que não está preparada.

Guerra comercial: as tarifas às Importações

A implantação de tarifas, segundo Trump, a palavra mais bonita que existe, “fora do amor e da religião” permite recuperar o tecido económico americano, torná-lo competitivo. Assim, vai instituir tarifas sobre todas as importações entre 10 a 20% e 60% para a China.

As tarifas aduaneiras para a Europa serão devastadoras: não é só a queda das exportações de máquinas, veículos e produtos químicos (68% em 2023) e de queijos e vinhos outra machada, agora nos produtos agrícolas, mas ainda os milhões de desempregados que vai arrastar. Nem todos os países estão expostos de igual modo. Alemanha, Holanda, Bélgica, Irlanda serão dos mais expostos nos produtos industriais e França nos de origem agrícola. E perguntar-se-á, haverá mercados alternativos para absorver estes produtos europeus? Difícil resposta, mas no curto prazo, não. A Europa não se preparou. Quedas de produção e desemprego vão mesmo bater à porta da Europa, no imediato.

Para Trump, a Europa não é mais uma “terra” amiga, mas um cliente como outro qualquer. Há que ser realista. A Europa há muito não é uma zona prioritária para os EUA e para Trump nunca foi. Essa é a Ásia. Encontrar soluções para barrar os caminhos da China na tecnologia e os seus avanços na região e no Mundo é o foco de Trump e também o era de Biden, mas com diferenças.

Políticas de Trump 2.0

Para além da Economia, as Políticas de Trump também são dissonantes da Europa. Desde logo, o clima em que certamente como céptico das alterações climáticas vai continuar a aumentar a exploração das energias fósseis, abandonar o acordo de Paris de 2015 e desmantelar a Agência de Protecção Ambiental dos EUA e, aqui, von der Leyen já lhe lançou namoro, ao dizer numa conferência de imprensa recente em Budapeste que a União Europeia pode substituir o fornecimento de gás que ainda compra à Rússia por gás dos EUA que já é o maior fornecedor. Pensa von der Leyen, com estas palavrinhas mansas, dissuadir Trump das tarifas e de uma política económica anti-Europa?!

Por outro lado, Trump 2.0 vai mesmo cortar ou reduzir apoios à Ucrânia e lançar negociações. Insinua a comunicação social europeia que há conversações com Putin nesse sentido. Será que já estão a concertar as condições?! E ainda a Nato. Trump sempre achou que a Europa paga pouco. Mais um problema a acrescentar.

O Mundo está numa viragem geopolítica, com a Europa em perda. O espírito de parcerias amigas (EUA/UE) a esvair-se e tudo a caminhar numa linha de desestabilização, em que o apoio aos partidos e movimentos da extrema-direita na Europa vai ser privilegiado, sobretudo quando as suas posições sejam próximas das de Trump, imigração e identidade nacional.

Não é por acaso que o ex-comissário europeu Thierry Breton, saneado pela presidente da Comissão, depois de reconduzido por Macron, dizia há dias numa entrevista que Orban passará a ser um interlocutor bem colocado na União face aos EUA.

A vida complica-se para a União Europeia que, face a um Trump 2.0 forte, encontra-se em estado, diria, tendencialmente letal. Pesada burocracia, grande imobilismo na decisão, no meio de guerras comercial e tecnológica EUA-China, sem estratégia própria, dificilmente conseguirá ser o que nunca foi – ela própria – ou seja, sair da dependência política dos EUA, agora agravada porque da situação de indiferença (Biden) entra num ambiente de hostilidade variável (Trump 2.0).

O futuro da União Europeia é de tempos difíceis. Vários cenários são possíveis no Horizonte, nomeadamente, se o Trumpismo se estender pelo Mundo.

In Jornal Económico – 20 de novembro de 2024

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