Por: Adriano Pimpão
A qualificação das pessoas é uma obrigação geral do Estado e da sociedade civil. Tem um ganho pessoal direto, mas tem acima de tudo um valor social pelo contributo para o progresso da comunidade.
É um sentimento comum que Portugal tem de obter um rendimento global mais elevado e que tal tem de ser alcançado por uma relação mais eficiente entre organização, trabalho individual e produção com procura dinâmica.
Esta relação coloca, desde os tempos da Revolução Industrial, a questão da qualidade do emprego, a qual tem sido assumida na União Europeia como algo a construir de forma a equilibrar a relação do bem-estar pessoal com o contributo para o progresso da economia e da sociedade. São vários os pontos que caracterizam o significado da qualidade do emprego, desde o salário até ao nível da precariedade do vínculo contratual.
Proponho-me nesta reflexão focar a qualidade do emprego na relação entre a qualificação das pessoas e a capacidade de criar mais valor no processo produtivo.
No que se refere, nomeadamente, aos diplomados do ensino superior, o seu papel deve ser visto na estratégia de estruturação de uma economia mais competitiva e socialmente sustentável, isto é, com capacidade para criar mais valor acrescentado, com uma repartição de rendimento mais justa.
A economia portuguesa só conseguirá tal objetivo, com uma forte inserção na chamada sociedade baseada no conhecimento. Esta é a resposta alternativa ao modelo baseado na exploração exaustiva dos recursos naturais e na mão de obra barata. A sociedade baseada no conhecimento constrói-se com a qualificação crescente das pessoas, em todos os graus de ensino, culminando com as competências diferenciadas oferecidas pelas Instituições de Ensino Superior e pelos Centros de Investigação, introduzindo inovação na economia.
Este investimento feito nos recursos humanos permite que se analise a sua eficácia na relação entre as qualificações mais avançadas e a produtividade do trabalho.
Em Portugal um trabalhador tem de realizar o triplo das horas para receber o mesmo salário que um irlandês. Porquê isto? Porque a Irlanda tem o dobro da produtividade média da União Europeia e Portugal está 25% abaixo da mesma.
Esta baixa produtividade coloca Portugal entre os países da União Europeia com os rendimentos (per capita) mais baixos.
De facto, há uma relação positiva entre qualificação, produtividade e salários. O que é preocupante em Portugal é que o aumento verificado na produtividade tem sido obtido a um ritmo menor que na média da União Europeia e a um ritmo que não corresponde ao investimento realizado na qualificação das pessoas.
Esta situação torna inevitável a premência de uma análise mais pormenorizada da relação entre as qualificações e o seu reflexo nos setores produtivos em que se estrutura a nossa economia. A conclusão desta análise é que existe um desajustamento entre as qualificações e as prioridades de desenvolvimento setorial do tecido produtivo português. Este desajustamento é também a principal causa estrutural dos baixos salários praticados em Portugal, apesar da maior qualificação dos recursos humanos e do crescimento da economia.
Chegados aqui, e face a estes resultados, é preciso sublinhar que a produtividade em Portugal não é uma questão do número de horas de trabalho, mas sim essencialmente, da eficiência do trabalho e do valor acrescentado obtido.
Como sair deste aparente impasse? Para aumentar o rendimento, incluindo salários, de cada pessoa em Portugal, é preciso aumentar a produtividade de forma consistente e produtiva. Contudo, esta evolução tem sido errática nos últimos vinte anos. Portugal atingiu, de acordo com os dados do Eurostat, entre 2006 e 2010, 70% da média europeia, mas começou a divergir após 2013, atingindo em 2019, 66% daquela média.
Parece que crescemos mais, exportamos mais, qualificamos mais, mas também parece que não evoluímos, como necessitamos de evoluir, em termos de rendimento per capita. De fato, uma estratégia alicerçada num forte investimento da qualificação das pessoas, como efetivamente ocorreu e ocorre em Portugal, deveria conduzir a um resultado diferente.
Há várias explicações para o sucedido. A primeira refere-se a uma evolução natural da demografia. Portugal acelerou as qualificações num período relativamente recente, o que se repercutiu nos estratos mais jovens, ficando os níveis mais elevados de organização e gestão das empresas e das instituições ainda entregues a estratos populacionais mais seniores, mas menos qualificados.
A segunda mais complexa, e com mais responsabilidades para os decisores políticos, tem a ver com a prioridade dada ao desenvolvimento de setores menos produtivos(em termos relativos) da nossa economia, com uma orientação clara para as atividades imobiliárias e as de alojamento e restauração, comércio e serviços administrativos. São setores com grande crescimento, mas que pelas suas características estruturais não permitem grandes ganhos de produtividade. E, como vimos, sem produtividade crescente não há maior criação de valor e sem maior criação de valor não há aumento de rendimento, nomeadamente para quem trabalha.
A produtividade de uma empresa com trabalhadores mais qualificados é, em média, sempre superior à de uma empresa com trabalhadores menos qualificados. Contudo, a afetação de recursos humanos mais qualificados a setores menos produtivos faz perder capacidade de aumento de produtividade e diminui assim a própria qualidade do emprego.
De referir ainda, que este desajustamento entre qualificação e emprego setorial tem contribuído também para a diminuição do chamado prémio de salário associado à educação, nomeadamente a de nível superior.
A abordagem deste tema do desajustamento entre o investimento em capital humano e as prioridades de desenvolvimento tem sido amplamente ilustrado por dados publicados e pela análise feita em publicações de várias instituições como Comissão Europeia, Banco de Portugal, INE e recentemente de uma forma mais ampla pela Fundação José Neves.
2 Responses
A temática sobre a relação entre produtividade empresarial e qualificação profissional dos demais colaboradores, atualmente poderá ter diversas explicações tais como o desencontro das Universidades e Entidades de Formação Profissional com o tecido empresarial português, o qual em pelo menos 85% assenta em PME’s, com tudo isto a competitividade da economia portuguesa sai por si a perder, uma vez que com este desencontro estão a ser criadas barreiras à inovação e ao desenvolvimento tecnológico e cientifico nas empresas, assim a produtividade não irá crescer e manter-se-á políticas de baixos salários, perante este atual quadro, e seja qual for o Governo, é urgente criar políticas públicas que visem criar uma articulação entre os sistemas de educação e formação e as confederações patronais, a fim de se entrar num “Acordo geral para a produtividade e competitividade empresarial”, devendo os Governos usar o instrumento que é a concertaçao social e assumir posições de liderança ao coordenar e regular toda e qualquer negociação entre parceiros sociais.
Caro colega
Obrigado pelo comentário,com o qual estou de acordo.
Com efeito, a maior qualificação dos recursos humanos nem sempre corresponde à procura e ambição do tecido produtivo. Em parte ,existe um desfasamento natural,historicamente verificado. É por isso importante que as políticas públicas deem um sinal avançado e concertado com as empresas sobre a estratégia de qualificação.Entretanto pode-se assistir, como atualmente, a uma resposta dada pela emigração de talentos.