
Por: René Cordeiro
Membro Efetivo nº56
Tenho escrito que o esmagador impulso da inovação que se observa, e a sua consequente comercialização – quando se verifica por período suficiente para ser observada e avaliada – é de índole operacional (curto prazo), com forte pendor especulativo.
Não é de estranhar que assim seja, já que a maioria da actividade empreendedora de iniciativa privada tem essa característica, hoje exacerbada.
Creio que existem duas razões que fundamentam a perspectiva do curto prazo, do imediato: a primeira, ligada à natural propensão humana ao consumo, satisfazendo necessidades ou apetites, é operacionalizada quer pelo apoio do Estado político, quer pelo crédito ao consumo; a segunda, tem que ver com o deslumbramento produzido pela natural vulnerabilidade do Humano – sugestionável, influenciável por tudo o que seja imitação do “em voga” – e a ingenuidade de acreditar que a sua crescente substituição pela “máquina”, tangível ou intangível, ou a sua adesão a regras ou propostas de facilidade que aquela e estas lhe permite ir crescentemente desfrutando no presente só lhe trarão vantagens no futuro, leva-o a concluir que não se deve preocupar com este. É o efeito de aura que nos leva, quando queremos acreditar numa coisa, a só vermos o que queremos ver, a apenas fazermos o que parece que devemos fazer. De que resulta não pensarmos, não interrogarmos. Não há que escolher, apenas há que navegar de acordo com tudo o que nos apresentam (vendem). Será a intuição que tudo comanda? Mas esta é particularmente útil se informada em base real porque é a que permite a dedução correcta (e não a que decorre das “sombras projectadas”).
Reconhecidamente, o dilúvio de informação, particularmente publicitária, propagandista (em diversos âmbitos) – crescentemente utilizadora dos nossos dados pessoais – aumenta exponencialmente aquela propensão ao consumo e intensifica fortemente a ânsia da Oferta, e dos seus intermediários, para descobrir, “satisfazer” aquele consumo, hoje massificado. Tudo sublinha o curto prazo, o imediato, a especulação. Que a imparável fúria da inovação tecnológica e a liberalidade da comunicação alimenta. Todavia, quanto maior a Oferta, maior a insatisfação da Procura. (Já tratei, noutras sedes, as causas e os efeitos desta observação, a propósito das economias push e pull). Porque o seu descontrolado aumento a torna menos eficaz, a inovação intensa torna-se necessária para nos dizer que há diferenças que não se incluem naquele aumento. Mas incluem-se, sempre que o que se acrescenta não traz algo útil. Mas traz o factor de facilidade que nos afasta crescentemente do esforço de pensar, fazendo-nos aceitar o que o instrumento digital da economia espera: que poucos pensem e que muitos o sigam. Por isso aqueles poucos enriquecem, e os muitos outros … louvam. Mais ou menos deprimidos, mais ou menos angustiados, cansados mas desculpando a causa do cansaço. É a (nova) servidão que emerge, substituindo a miragem do Iluminismo. É a ficção que se impõe, com aplausos. A situação apresenta-se como uma escassa minoria (não, necessariamente, significativamente instruída ou educada) que sabe servir o prato à esmagadora maioria. Como recorda Bruno Patino (em Submersos), citando Nick Land, adepto da doutrina em vigor em Silicon Valey que designa por iluminismo negro, “a humanidade «de baixo» deve ser modificada e elevada pela tecnologia que lhe é oferecida pelos «de cima» ”.
E as características centrífugas deste dilúvio de mensagens, de solicitações, de buscas do que não se recebe não se dão bem com o trabalho lento da memória. Donde, algo tem de se ser sacrificado: esta última, claro. Com que custo? Entre outros, pretextam-se novas referências, inconvenientes porque contra natura. E abjurar o natural produz, necessariamente, efeitos nefastos. Como exemplo, observe-se como o Transhumanismo, de que a Inteligência Artificial Generativa é apenas instrumento, faz o seu caminho.
Finalmente, o que o curto prazo busca é o desenvolvimento do consumo, não o da produção.
Pelo que exponho, há muito que defendo a restrição do crédito ao consumo pela sua liquidação em trinta dias. Tal conduziria a uma economia mais saudável, baseando o consumo dos particulares nos seus rendimentos reais.
Então, haverá actividade empresarial que vise a vida longa? Sim, porque conhecemos exemplos que não confundem a estratégia global empresarial com operações (ou com as estratégias que as conduzam). Porque, mantendo-se a Procura e a Oferta como premissas irrevogáveis, mudando apenas os modos da sua operação, a actividade empreendedora empresarial que vise o longo prazo — que implica a existência de uma organização estabilizada e de um objectivo conceptual (que será objecto de quantificação em devido tempo) a prosseguir por uma estratégia global, como defendemos, com ele coerente porque só assim dará sustentabilidade à prossecução — não pode inovar especulativamente. Porque tem responsabilidades económicas e sociais, e porque o longo prazo carece de preparação para que o seu objectivo seja prosseguido. O que implica o desenvolvimento dos negócios com base em dois critérios: a probabilidade testada de resultados a produzir e a prevenção dos factores que conduzem ao enfraquecimento competitivo: taxas de retorno e de (re)investimento insuficientes. É assim que os responsáveis desta actividade empresarial têm de estar atentos aos três desvios que ocorrem por inércia, entropia ou qualquer outra causa decorrente da típica hipocrisia intrínseca às organizações. Atenção que apenas a existência da referida estratégia global possibilita por promover a produção consistente dos resultados esperados.
Apreciemos sucintamente os desvios referidos em título.
1. O Desvio Estratégico: entre o que a empresa faz (o Perfil Actual dos Negócios) e o que deveria fazer (o Perfil Futuro dos Negócios, que não é senão o objectivo conceptual que a estratégia global empresarial prosseguirá).
Como resulta evidente, este desvio significa,
i) Que o crescimento pela estratégia empresarial que (eventualmente) conduzia o objectivo Perfil Actual não era satisfatório e, consequentemente,
ii) Que a empresa já estabelecera a nova estratégia para prosseguir o objectivo Perfil Estratégico Futuro.
A verificação da insatisfação de i) e da adequação de ii) ao almejado desenvolvimento dos negócios da empresa em prazo longo decorrera da análise dos referidos factores determinantes do enfraquecimento competitivo — no âmbito das séries longas de resultados produzidos em i), e a produzir com probabilidade testada por ii) — para concretização da quantificação do objectivo conceptual da estratégia global estabelecida: os objectivos estratégicos plurianuais.
2. O Desvio das Capacidades Organizacionais (Competências Individuais e Aptidões Processuais): entre o que a empresa pode (é capaz de) fazer e o que deveria poder (ser capaz de) fazer.
Em consequência do referido no número anterior, às séries longas para ii) corresponderiam planos de negócio com os respectivos orçamentos em que a exploração de cada ano corrige e consolida a do ano anterior e prepara a do ano seguinte, pelo que a empresa deve avaliar o que a organização pode (é capaz) de fazer e o que deve poder (ser capaz de) fazer para prosseguir o Perfil Estratégico Futuro, preparando e disponibilizando os recursos necessários.
3. O Desvio de Gestão: entre o que a empresa faz (o Perfil Actual) e o que pode (é capaz de) fazer.
Finalmente, por esta avaliação a empresa conclui sobre as carências de gestão para prosseguir o Perfil Estratégico Futuro.
A avaliação dos três desvios deve ser objecto de quantificação a fim de se maximizar a sua objectividade e, assim, ser útil o seu conhecimento.