
Por: António Mendonça
Bastonário
A resposta ao que a Europa quer do Mundo depende, sobretudo, da capacidade de se reconstruir, em termos de identidade, de projeto comum, de instituições que funcionem para além da burocracia procrastinadora que a caracteriza atualmente.
É uma questão a que não é fácil dar resposta e que hoje ganha uma nova e acrescida importância, tendo em conta tudo aquilo que se está a passar: da guerra à paz, da estagnação económica à revolução tecnológica, das instituições comuns à reemergência das nações. A tudo isto junta-se uma outra questão, que emerge do descalabro das instituições internacionais: o que quer a Europa do Mundo?
A resposta à primeira questão pode ser dada em termos geográficos: é a península mais ocidental de um grande continente que se estende de Oriente a Ocidente. Mas, esta resposta simplista por certo escamotearia a questão substantiva que é a da identidade da Europa, nas suas múltiplas expressões – culturais, económicas, sociais e políticas.
A tentação que todos temos é a de construir essa identidade com referência à matriz greco-romana, a que se junta, mais tarde, o cimento religioso cristão. Todavia, o quadro histórico-cultural que enforma o conceito de Europa é mais complexo e muitas outras dimensões estão presentes, que são o resultado de interações entre diversos povos e culturas. Interações que, não obstante terem produzido uma dinâmica histórica de construção e consciência de uma identidade comum, não deixaram de produzir, simultaneamente, tensões e contradições que tiveram expressões particulares ao longo da História e que alimentaram processos de formação e substituição de hegemonias, de produção de conflitos e pacificações, de integração e desintegração.
Tudo indica que a Europa se aproxima – ou já está a sofrer os impactos – de uma situação de rotura que irá necessariamente desembocar numa alteração radical de dinâmicas e de relação de forças internas que não irão produzir, necessariamente, um patamar superior de identidade e de coesão em torno de princípios e de desideratos comuns, como aconteceu no passado. Uma situação de rotura que não deixa de exprimir, simultaneamente, a alteração radical da arquitetura política e institucional internacional que se tem vindo a produzir e que terá sido acelerada pelas recentes eleições americanas.
Neste processo, a Europa perdeu a capacidade de inovação, de referência para as transformações positivas e de capacidade de afirmação, apostando num modelo económico orientado para a exportação e para a competitividade pelos custos, que se traduziu na incapacidade de acompanhar a revolução tecnológica e na estagnação estrutural, tal como reconhecido no relatório Draghi. E, infelizmente, parece não ter conseguido, ainda, encontrar o caminho para sair da situação.
A resposta ao que a Europa quer do Mundo é ainda mais complexa e depende, sobretudo, da capacidade de se reconstruir, em termos de identidade, de projeto comum de existência, de instituições que funcionem para além da burocracia procrastinadora que a caracteriza atualmente. E, sobretudo, da capacidade da Europa de, mais uma vez, saber aproveitar a crise que atravessa para dar um salto em direção a uma maior integração económica e política que não se deixe hegemonizar por um qualquer interesse particular, mas seja capaz de produzir um interesse comum a partir do reconhecimento e valorização das potencialidades nacionais. Particularmente daquelas que estiveram na base da construção do mundo global que hoje está em risco de regredir para níveis inimagináveis, pouco tempo atrás.
Para terminar, uma referência à Mensagem de Fernando Pessoa onde, talvez, a resposta ao que a Europa é e quer do mundo possa encontrar uma referência inspiradora, logo no primeiro poema, “O dos Castelos”: “A Europa jaz, posta nos cotovelos; de Oriente a Ocidente jaz fitando … Fita com olhar esfíngico e fatal, o Ocidente futuro do passado. O rosto com que fita é Portugal”.
In Jornal Económico – 28 de fevereiro de 2025
Uma resposta
O problema não é apenas da Europa, mas do Ocidente como um todo. O verdadeiro desafio não é a democracia em si, mas a forma como podemos expandir as suas possibilidades sem esbarrarmos nos seus limites estruturais.
Historicamente, a Igreja Católica manteve uma postura pragmática face aos regimes políticos, reconhecendo que cada um tem vantagens e desvantagens. Foi apenas com João Paulo II que passou a defender explicitamente que democracia e capitalismo são os únicos sistemas compatíveis com a liberdade e os direitos humanos. No entanto, a Igreja sempre alertou para os riscos inerentes à democracia, sobretudo o facto de os eleitos estarem condicionados pelos interesses imediatos dos seus eleitores, dificultando a adoção de medidas necessárias, mas impopulares.
Este problema reflete-se hoje em várias áreas críticas. É difícil para governos democráticos justificarem orçamentos elevados para a defesa, tal como é politicamente sensível aumentar as taxas de juro para combater a inflação. No entanto, o maior desafio do Ocidente pode ser o declínio demográfico. Com taxas de natalidade em colapso, a Europa arrisca-se a perder dinamismo económico e peso geopolítico, sem que os seus líderes consigam enfrentar o problema de forma eficaz.
A resposta passa por reforçar instituições técnicas independentes, como o Banco Central Europeu, para a política monetária, mas também criar estruturas similares para áreas como a defesa e a política migratória. São estas instituições, com objetivos claros e accountability rigorosa, que podem garantir a implementação de medidas racionais, sem ficarem reféns de ciclos eleitorais curtos ou da resistência popular a reformas estruturais.
A sobrevivência do Ocidente não depende apenas de mais democracia, mas de uma democracia que saiba governar para o longo prazo.