
Por: João Abel de Freitas
Membro Efetivo nº11400
A interdição das plataformas digitais caiu mal e desencadeia a revolta da juventude, mas as grandes causas estavam acumuladas: as frustrações e as perspectivas de um não futuro.
A vida desta monarquia, que durou 240 anos, foi agitada, sobretudo, a partir da segunda metade do século XX, com períodos de guerra civil longos (onde a tendência rebelde maoista, como é conhecida, teve um papel de destaque), aliados a eleições multipartidárias, aqui e ali.
Maio 2008. Proclamação da República
Certamente, menos conhecido por, desde a implantação da República, em 2008, ter vindo a ser governado por partidos da esquerda, regime que acaba de cair por uma revolta designada nos Media internacionais de revolta da juventude (geração Z) contra a interdição pelo Governo, em Junho de 2025, de 26 redes sociais, designadamente Facebook, Instagram, WhatsApp e Youtube, porque recusaram se submeter às leis nacionais, que exigiam o seu registo como empresas do país. Apenas 5 das 31 empresas existentes tinham aceite fazê-lo até 1 de Setembro, data para o cumprimento.
A revolta da Geração Z
Durante dias, a revolta traduziu-se em incêndios e ocupação de edifícios públicos, casas de políticos e manifestações de rua com elevado número de baixas mortais. O primeiro-ministro Sharma Oli (dirigente máximo do PC) é obrigado a demitir-se, o Parlamento dissolvido pelo Presidente Poudel do centro-esquerda e as forças armadas intervêm para manter a Ordem.
Depois de 3 dias de negociações de algum melindre entre Presidente do País, forças armadas e representantes da juventude revoltosa foi designada como primeira-ministra interina, a Presidente do supremo tribunal (Sushila Karki) com currículo político desalinhado dos partidos tradicionais. A juventude vê nela a pessoa certa para levar a cabo as eleições de 5 de Março 2026, marcadas pelo Presidente.
Causas da revolta
Porém, estes avanços geraram um paradoxo. O mercado de trabalho formal só tem dimensão para absorver cerca de 40 000 trabalhadores/ano. Assim, uma elevada percentagem qualificada de jovens fica sem hipóteses de aceder a trabalho produtivo, ou seja, impedida de ascender socialmente. A sua janela de oportunidades foca-se no digital e na emigração.
No Nepal há mais de 17 milhões de nepaleses utentes do Facebook e cerca de 90% dos jovens conectados diariamente. As plataformas sociais são, assim, uma fuga para a falta de emprego e também para a concretização informal de pequenos negócios que sempre vão gerando algum rendimento que atenua o fraco nível de vida do país onde, segundo alguns dados, cada pessoa sobrevive, em média, com um dólar/dia.
A estrutura económica do país, segundo estimativas do Banco Mundial, com a agricultura a empregar 63% da totalidade das pessoas em idade activa, quando não gera mais de 24% do PIB; a indústria, por seu lado, a gerar cerca de 12% do PIB e os serviços (sectores formal e informal) 63%, é bem a imagem do que se referiu, pondo ao vivo as estruturas semifeudais de produção dominantes, impeditivas de qualquer progresso.
Se a isto se acrescentar o fluxo das receitas da diáspora que entraram no Nepal, em 2023, equivalendo a 27,6% do PIB, temos o quadro perfeito de um país muito atrasado em termos de desenvolvimento. Acentue-se que não é por falta de condições objectivas que o arranque económico ainda não se deu – pois, pelo menos no que toca a qualificação da população – um vector chave em qualquer processo de desenvolvimento, ela existe.
Algumas causas do insucesso
A coligação entre o partido do Congresso/partido comunista do Nepal no poder nos anos mais recentes “cercou” os maoistas que até saíram vencedores nas eleições pós implantação da República e desenvolveu na sociedade nepalesa uma campanha anti-maoismo, levando-o a se aproximar sem sucesso da juventude urbana.
Por seu lado, o maoismo ia insinuando que o governo de coligação pouco fazia para combater a corrupção sobretudo de elementos com influência no poder e que se opõem a reformas que permitam abrir a economia à criação de riqueza em benefício da população.
A juventude, contudo, não aderiu a este trabalho de sapa dos dois lados, acusando os dois partidos de serem iguais, muito ineficazes em todas as frentes, incluindo o combate à corrupção e apontando o subdesenvolvimento, decorrente do desentendimento entre os partidos que perdiam o seu tempo a negociar arranjos interpartidários para continuarem no poder.
Em síntese, a juventude entende que o governo e os partidos falharam na resolução dos três grandes problemas do país:
A revolta como explosão
Expectativas
Apesar do consenso encontrado, teme-se que o país, em situação de graves conflitos que não estão afastados, possa cair para uma direita radical ou mergulhar numa instabilidade incontrolável. Contudo, há confiança na Primeira-ministra interina para levar o país a bom porto.
Notas finais:
i) Não existem números oficiais, mas uma associação de Nepaleses estima que residam 50 000 nepaleses em Portugal.
ii) Geração Z = nativos da era digital.
In Jornal Económico – 24 de setembro de 2025