Do Potencial à Liderança: Como Portugal Pode Criar um Cluster de Defesa

Por: José Alvarenga

Membro Efetivo nº15209

Nos grandes ciclos industriais, o tempo de entrada num setor é um fator determinante para o sucesso. A história económica mostra-nos que os países que conseguem alinhar os seus investimentos industriais com vantagens comparativas claras e estratégicas obtêm um crescimento sustentado e consolidam posições de liderança. A indústria de defesa europeia encontra-se precisamente num desses momentos cruciais, onde uma transição estruturada pode gerar valor de longo prazo. Portugal tem uma janela de oportunidade única para se posicionar como um destino altamente competitivo neste setor.

Se a Suíça é sinónimo de relógios e a Alemanha de automóveis, está na hora de Portugal apostar em ser um reconhecido centro da indústria de defesa na Europa.

1. O Momentum da Indústria de Defesa Europeia

A guerra na Ucrânia e o crescente ambiente de instabilidade geopolítica têm levado os países europeus a reforçar os seus orçamentos de defesa. Em 2023, os países da União Europeia aumentaram os seus gastos militares em 20%, atingindo 270 mil milhões de euros – o maior aumento anual em décadas. Esta tendência de crescimento continuou em 2024, com um aumento adicional de 20%, elevando os gastos militares para 326 mil milhões de euros. A Comissão Europeia já anunciou um plano de fortalecimento da Base Industrial e Tecnológica de Defesa Europeia, com financiamentos direcionados à produção de armamento e inovação tecnológica. Portugal tem de atuar rapidamente se quiser garantir uma fatia deste investimento.

2. A vantagem Geopolítica e Industrial

O posicionamento geográfico de Portugal representa uma vantagem estratégica. Com acesso direto ao Atlântico, distante das ameaças russas e proximidade aos mercados europeus, o país tem condições para atrair investimento industrial no setor da defesa. Além disso, Portugal oferece mão de obra qualificada, com uma crescente capacidade tecnológica e um ambiente político estável, fatores críticos para empresas que pretendam investir em instalações de produção e desenvolvimento de sistemas de defesa.

3. A Indústria de Defesa e a Intensidade Energética

A indústria de defesa é conhecida pelo seu elevado consumo energético. A produção de materiais avançados, desde aço especial a componentes de aeronaves, bem como a manufatura de veículos blindados, sistemas eletrónicos e munições, exige quantidades significativas de eletricidade e calor industrial. Esta característica pode representar um entrave competitivo para países com custos energéticos elevados, mas também pode ser uma oportunidade para regiões que consigam fornecer energia a preços altamente competitivos.

4. Portugal e a Vantagem Energética

Portugal possui uma das eletricidades mais baratas da Europa para quem aposta em autoprodução renovável, criando uma vantagem estratégica sobre países como a Alemanha e França. Em 2023, cerca de 60% da eletricidade consumida no país foi gerada a partir de fontes renováveis, com custos de produção de energia solar e eólica significativamente inferiores aos da maioria dos países da UE. Adicionalmente, empresas que optam pela autoprodução energética conseguem reduzir custos operacionais drasticamente.

Um estudo recente aponta que o custo da eletricidade renovável autoproduzida em Portugal pode ser até 10 vezes mais barato do que a energia adquirida no mercado a retalho. Se uma indústria de defesa instalada no país optar por produzir a sua própria energia renovável – através de solar, eólica ou armazenamento térmico – poderá obter vantagens financeiras significativas face a concorrentes em países com tarifas energéticas mais elevadas, como a Alemanha, França ou Itália.

A viabilidade deste modelo já é demonstrada em setores industriais estratégicos. A The Navigator Company, um dos maiores produtores de papel na Europa, é um exemplo concreto de uma empresa que investiu fortemente em autoprodução de energia renovável. Com centrais de biomassa e uma das maiores instalações fotovoltaicas industriais de Portugal, a empresa consegue reduzir custos operacionais e melhorar a sua pegada de carbono. Este modelo poderia ser replicado pela indústria de defesa, assegurando um fornecimento energético estável e competitivo.

5. Oportunidade para uma Fileira de Defesa em Portugal

Neste contexto, Portugal tem a oportunidade de criar um cluster industrial de defesa baseado na sinergia entre inovação, segurança energética e competitividade de custos. Um ecossistema que combine estaleiros, fábricas de componentes, empresas tecnológicas e fornecedores locais pode impulsionar a economia nacional, gerar emprego altamente qualificado e atrair investimento estrangeiro.

Para viabilizar este desenvolvimento, faz sentido considerar a criação de um instrumento estatal tipo Fundo Nacional de Defesa e Indústria – um mecanismo financeiro cotado em bolsa que detenha participações estratégicas em empresas do setor. Este fundo poderia ser um instrumento poderoso para condicionar racionalmente a decisão das empresas, incentivando-as a estabelecer operações industriais em Portugal. Além disso, poderia funcionar como um veículo de atração de investimento estrangeiro, garantindo que a indústria de defesa nacional se desenvolva de forma sustentável e competitiva no longo prazo.

Conclusão: A Hora de Agir

Os próximos anos serão decisivos para a indústria de defesa na Europa. Portugal tem as condições naturais, energéticas e geopolíticas para se tornar um destino competitivo para a instalação deste setor. A criação de um cluster de defesa apoiado em energia renovável, aliado a um fundo estratégico de investimento, pode tornar-se um caso exemplar de desenvolvimento sustentável e estratégico. O tempo de entrada é agora – e Portugal não pode perder esta oportunidade.

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