Crise na Alemanha, Crise na Europa

Por: Jorge Fonseca de Almeida

Economista Conselheiro nº1083

A Alemanha completa no fim de Dezembro, dois anos seguidos de recessão. E as classes dominantes alemãs continuam profundamente divididas quanto ao rumo a tomar. O governo entrou em crise com o ex-ministro das Finanças a advogar uma receita neoliberal com cortes nos impostos sobre os mais ricos (abolição da sobretaxa de solidariedade sobre os rendimentos mais elevados), uma ainda maior desregulamentação social e empresarial, uma moratória nos objetivos ambientais empurrando-os para 2050, um aperto orçamental agressivo para 2025 e a dissolução do Fundo Climático – o instrumento através do qual o governo tem vindo a financiar a chamada transição verde. Estas propostas foram descartadas pelos Verdes e pelos Social-Democratas.

Na realidade a crise alemã radica noutras causas mais profundas e nas realidades geopolíticas impostas pela ocupação do país pelas tropas americanas que lhe retira autonomia estratégica.

Como causas mais profundas temos o atraso tecnológico alemão, país que foi incapaz de acompanhar o salto tecnológico das últimas décadas. Por exemplo, entre as grandes empresas de redes sociais, de telemóveis, de computadores, de inteligência artificial, de nano materiais não encontramos nenhuma firma alemã. A indústria germânica ficou estagnada no período industrial com a sua base ancorada em quatro grandes setores: na produção automóvel, na indústria química, no setor das máquinas-ferramentas e nas indústrias elétricas. Tudo áreas do período do pós-guerra. Nenhum setor de ponta. Nenhuma área de grande crescimento, só setores maduros, estagnados enfrentando cada vez mais uma competição asiática imparável.

A par deste atraso tecnológico a Alemanha vê-se constrangida pelas imposições geopolíticas americanas: corte do fornecimento do gás russo barato, desistência dos mercados russo e chinês, abastecimento de hidrocarbonetos americanos caros, aumento significativo das improdutivas despesas militares. Tudo opções que contrariam o interesse nacional alemão e que só sob intensa pressão foram tomadas a contragosto. Acresce que os EUA com a IRA (a famosa Lei da Redução da Inflação) fechou o mercado à indústria alemã e implantou um sistema que obriga as empresas alemães a investir nos Estados Unidos (em detrimento da Europa) sob pena de perderem um mercado absolutamente fundamental à sua existência. É caso para perguntar: quem tramou a Alemanha? E vemos que Biden e Trump estão empatados, mas Trump tem uma segunda hipótese de melhorar a sua pontuação – já prometeu aumentar as tarifas alfandegárias sobre as exportações alemãs, e continuar a política de atração das empresas alemãs transferindo os empregos para os Estados Unidos.

Qual a razão para este tremendo tiro no pé? Qual a razão para esta potência europeia aceitar estas imposições americanas? A resposta, se bem que multifacetada incluiu a presença de mais de quarenta bases das forças armadas americanas em solo alemão, o que confere ao país o estatuto de país ocupado. Naturalmente não existem tropas alemãs nos Estados Unidos, não sendo obviamente uma situação de reciprocidade mas unilateral.

Que solução se apresenta no curto e médio prazo? No curto prazo apenas uma desvalorização interna, com imposição de salários mais baixos e maior desemprego, pode dar um balão de oxigénio à economia alemã. No médio / longo prazo torna-se necessária uma grande reestruturação da economia, que implica o investimento de verbas avultadas que implicarão um aumento importante da dívida pública e privada – o que vai contra as regras europeias.

Quando a Alemanha espirra a Europa adoece. A França avança, ainda mais depressa, para o desastre, com um déficit orçamental colossal, uma dívida pública crescente e uma economia atrasada. Eis o que se pode esperar na União Europeia nos próximos anos. Em Portugal a economia já arrefeceu significativamente em 2024 e espera-se um pior desempenho em 2025. O futuro não é mais sorridente na Europa. Em contrapartida a China, os Estados Unidos e os BRICS continuam num caminho de forte crescimento.

O recente colapso, em setembro último, da ponte construída em 1971, sobre o rio Elba, em Dresden, é uma boa ilustração, por um lado, do estado da economia e, por outro, de que as muito louvadas tecnologias tradicionais germânicas afinal não são assim tão excelentes.

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