
Por: António Mendonça
Bastonário
A crise política que se manifesta nos dois países não deixa de ser uma expressão da incapacidade de dar resposta aos problemas que se vêm manifestando na esfera económica.
À crise económica e política alemã, juntou–se agora a crise económica e política da França. O eixo franco-alemão que tem comandado os destinos da União Europeia (UE) e da Zona Euro nas últimas décadas parece estar em risco de quebrar. De acordo com os dados mais recentes da Comissão Europeia, a Alemanha está em plena recessão, após dois anos de crescimento negativo e uma perspetiva de crescimento medíocre para 2025 e 2026. Salva-se a continuação do bom desempenho da balança corrente, com saldos positivos superiores a 7% do PIB em 2024 que se projetam igualmente, embora com ligeiras quebras, para 2025 e 2026. Mantém-se a contenção orçamental com saldos à volta dos 2% do PIB e rácio de dívida, com projeção de ligeira aceleração, passando de 63% em 2024, para 63,8% em 2025 e ligeira desaceleração em 2026, para 62,8%. Já a França, mantém-se pouco acima da linha de água, com crescimentos medíocres em 2024 e 2025 de 1,1% e 0,8%, respetivamente, projetando-se uma aceleração para 1,4% em 2026. Ao contrário da Alemanha, confronta-se com saldos negativos da balança corrente, entre 0,5% e 0,3% do PIB, neste mesmo período, revelando dificuldades sérias de competitividade. E o mais grave são os elevados défices orçamentais, superiores a 6% do PIB que se projetam no período, com fortes probabilidades de virem a aumentar se a crise económica se aprofundar, com impactos na evolução do rácio da dívida que ameaça atingir os 117% em 2026. A crise política que se manifesta nos dois países não deixa de ser uma expressão da incapacidade de dar resposta aos problemas que se vêm manifestando na esfera económica. No fundo, o que se está a passar vem dar razão a tudo o que é dito no Relatório Draghi sobre o estado da competitividade europeia, onde o gap tecnológico, face aos EUA e à China, a ausência de uma política conjunta face aos
desafios globais, bem como as debilidades e dependências que se evidenciaram de forma explosiva nos últimos anos, revelaram uma fragilidade estrutural que não se previa poder vir a acontecer quando se iniciou a 3ª etapa da União Económica e Monetária, há duas décadas e meia.
A UE não pode continuar a procrastinar, como é enfatizado no Relatório, sob pena de ver agravada a sua perda de peso económico e de influência na economia global. Isto para não falar no agravamento das tensões sociais internas que já se anuncia. A formulação das políticas europeias para os próximos anos não poderá deixar de ter em consideração a necessidade de redesenhar a arquitetura institucional e de governance, de forma a permitir passar a um patamar superior na integração macroeconómica, incluindo o reforço das políticas económicas conjuntas.
In Jornal Económico – 6 de dezembro de 2024
Ainda as crises da Alemanha e da França
2025 vai trazer novas dinâmicas às relações europeias e internacionais a que a Europa, no seu conjunto, se quiser continuar a existir como projeto comum de desenvolvimento económico e de referência democrática para o Mundo, vai ter de dar resposta.
As crises económicas e políticas da Alemanha e da França atuais, embora sejam manifestações das dificuldades particulares de cada um dos países, não deixam de constituir uma expressão mais geral da organização e funcionamento atual das instituições da União Europeia e da Zona Euro, mais especificamente.
Longe vão os tempos da euforia da integração europeia, associada aos projetos de constituição do Mercado Único, da criação da União Económica e Monetária e da introdução do euro.
As décadas de 80 e 90 do século passado foram, sem dúvida, um período notável de progressos na integração económica que antecipavam novos e mais vastos desenvolvimentos, designadamente em direção ao aprofundamento da integração política. As próprias instituições políticas europeias evoluíram nesta perspetiva que se pensava poder vir a ser concretizada num prazo não muito distante.
Todavia, um acontecimento inesperado veio subverter completamente esta perspetiva e gerar uma alteração radical de estratégia que hoje, passadas três décadas, é legitimo questionar em termos da sua clarividência — estamos a falar da implosão do bloco soviético e da prioridade que passou a ser dada ao alargamento aos países do centro e do leste da Europa em detrimento do aprofundamento da integração do bloco ocidental, já constituído, que a introdução de uma moeda única exigiria.
Esta mudança de prioridades e a evolução que, entretanto, se produziu, conduziu a uma mudança na dinâmica da construção europeia, favorecendo sobretudo o papel da Alemanha em detrimento da França e de outros países, incluindo Portugal, que não deixou de ser afetado no seu processo de convergência pela concorrência gerada pela entrada de novos países, mais qualificados, mais baratos e mais atrativos, seja em termos de mercado de trabalho, seja em termos de investimento e de proximidade do centro económico.
Olhando em perspetiva, não é difícil ver que a Alemanha foi o principal beneficiário de todo este novo desenvolvimento do processo de integração europeia, assegurando novas condições de investimento, novos mercados, energia barata e competitividade interna e internacional, proporcionada por um euro subvalorizado face ao que teria sido a manutenção do marco. Em contrapartida, outros países, em particular a França, não conseguiram tirar o mesmo partido da nova situação, incluindo no plano da sua indústria energética nuclear. A própria saída do Reino Unido da União Europeia e a sua reorientação estratégica para o mundo anglo-saxónico, não será alheia a esta alteração da relação de forças e de visão estratégica no seio da União Europeia.
O ano de 2025 vai trazer, seguramente — e não apenas em resultado da assunção de funções por Donald Trump —, novas dinâmicas às relações europeias e internacionais a que a Europa, no seu conjunto, se quiser continuar a existir como projeto comum de desenvolvimento económico e de referência democrática para o Mundo, vai ter de dar resposta.
Em primeiro lugar, vai ter de encontrar o seu próprio lugar no contexto das transformações em curso e da alteração da correlação de forças que se está a produzir à escala global. E, nesta perspetiva, é fundamental recuperar uma dinâmica de produção de interesse comum e de identidade própria que lhe tem faltado, em larga medida, nos últimos tempos.
Mas, também, é fundamental fazer progressos no plano da arquitetura institucional e do funcionamento das suas estruturas fundamentais, substituindo a cultura instalada de produção de burocracia e de procrastinação (para utilizar o termo do Relatório Draghi) por uma cultura de inovação, de simplificação e de orientação pragmática para a resolução dos problemas, dependências e constrangimentos. E é, sobretudo, necessário avançar no plano da política económica integrada e na introdução, concomitante, de uma visão estratégica, onde se inclui o desenvolvimento tecnológico e as qualificações adequadas, a sustentabilidade energética e o abastecimento de matérias-primas.
In Jornal Económico – 20 de dezembro de 2024