Acelerar com um pé no travão

Por: Diogo Araújo Dantas

Membro Efetivo nº16425

Há um problema fundamental no Acelerar a Economia: utiliza muitas expressões como “reforçar” e “rever” e “reduzir” e “aumentar” e “alargar” e “apoiar.” Quando um político não se compromete com números, normalmente é duvidoso que cumpra. Além disso, transmite insegurança aos empresários e não estabelece uma linha de confiança capaz de gerar sinergias. A falta de confiança nas instituições tem gerado receio em investir e descrédito da economia portuguesa, por isso este tipo de soluções vagas são mais um entrave do que um caminho. É essencial estabelecer compromissos e metas concretas entre Governo e empresários – a atual conjuntura assim o exige, sob pena da economia continuar estagnada, a desperdiçar os seus recursos e alicerçada sob premissas com trinta anos de atraso.

Mesmo quando o atual programa menciona números, estes servem para limitar os “reforços” e “apoios” com alterações residuais, mas nunca para estabelecer pontes e compromissos. Como por exemplo na “revisão do SIFIDE II” ou no “aumento da dedutibilidade nos gastos de financiamento incorridos em operações de concentração.” Pior, a atuação nos pontos realmente necessários para desenvolver e melhorar a economia, o documento é tão vago que fornece uma mão cheia de nada que parece uma campanha eleitoral, parte II – como o “programa de formação para a inovação tecnológica nacional” ou a “revisão do código para a propriedade industrial” ou o “programa de capacitação das PMEs e capacitação de lideranças”.

Joaquim Miranda Sarmento é um académico reputado que conhece bem a economia portuguesa, por isso este documento sabe tanto a desilusão. O foco na inovação, na indústria e no empreendedorismo intelectual são fundamentais para mudar o paradigma de um sistema profundamente atrasado e que tem vindo a apostar todas as fichas num turismo castrador. É essencial deixar de sermos exportadores de mão-de-obra qualificada e importadores de trabalho não qualificado. É fulcral voltarmos a focar-nos no setor primário e nos recursos abundantes que temos vindo a desperdiçar, tanto na terra como no mar. É crucial que a saúde e a educação não sejam fontes de assimetria e injustiça social, portanto capazes de serem financeiramente sustentáveis com melhor qualidade do serviço. É indispensável que estejamos na linha da frente da transição energética. Nenhum destes temas tem uma ação musculada no atual documento, pelo contrário: dissipam-se numa série de linhas dispersas e temas nebulosos.

Seria importante fazer uma revisão séria das parcerias público-privadas, sabendo que “muitos projetos em todo o mundo falharam, com o seu regresso à gestão pública” (Miranda Sarmento, 2010), sendo que “a tomada de decisões face à evolução dos riscos mostra grandes diferenças quando há renegociação” (Miranda Sarmento & Renneboog, 2016). Também temos noção que “os governos locais e regionais controlam melhor os custos do que o governo central” (Miranda Sarmento & Renneboog, 2017) por isso faltam medidas de descentralização para acelerar a economia, um aspeto que tem sido constantemente adiado.

Não se pode acelerar a economia com um pé no travão. A redução gradual do IRC que é proposta não é suficiente para estimular o investimento empresarial e o crescimento económico. Também é verdade que não compromete as receitas públicas necessárias para carregar o monstro público herdado. Mas são necessárias reformas urgentes no setor estatal, nomeadamente: em termos de uma reforma administrativa capaz de simplificar processos e delegar poderes para administrações regionais, mais próximas das realidades locais; capacitação e formação de recursos humanos, especialmente em áreas como a gestão, as tecnologias de informação e a inovação; e revisão do setor da saúde, com maior eficiência operacional e implementação de tecnologias de telemedicina e gestão integrada. Se a economia continuar pouco atraente e o setor público continuar a obesidade mórbida, de nada terá servido a mudança de Governo. E o programa para acelerar irá perder-se devido a uma suspensão muito rígida, um motor pouco potente e uma manobrabilidade deficiente.

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