
Por: Jorge Fonseca de Almeida
Economista Conselheiro nº1083
A economia portuguesa estagnou desde a entrada do país na zona Euro, empobrecendo as classes populares, reduzindo a universalidade dos serviços públicos de Educação e Saúde, e impelindo a população para a emigração. Um desastre evidente aos olhos dos observadores nacionais e estrangeiros. Tentando relançar o crescimento o governo Montenegro anunciou o “Programa Acelerar a Economia”.
O Programa começa por elencar 20 desafios que a “economia portuguesa enfrenta”. Para os ultrapassar o governo desenhou 60 medidas, para cada uma das quais definiu um objetivo genérico.
O Programa não parte de uma cenarização da evolução da economia mundial ou europeia, nem identifica os riscos e oportunidades que se abrem a Portugal. O Programa não contém uma visão de médio / longo prazo para o país nem repousa em nenhuma estratégia para atingir essa visão.
Os desafios não estão hierarquizados nem articulados entre si, indicando que o Governo os considera de igual importância. Eis um primeiro grande erro estratégico – não identificar um número reduzido de áreas estratégicas, três/quatro, que possam concentrar uma atuação forte e decisiva. Desperdiçam-se os esforços em múltiplas e contraditórias direções sem uma estratégia definida.
Os desafios, as medidas e os objetivos não estão articulados nem quantificados, não se percebendo como as medidas podem contribuir para atingir os objetivos e muito menos como contribuem para vencer os desafios. Por exemplo que se pretende com a Revisão do Regime do “goodwill” cujo objetivo é promover operações de concentração? Aumentar a Escala, a Capitalização, a Internacionalização ou todos estes desafios? Que resultados concretos se pretende? Como medir a sua eficácia?
As medidas deste Plano podem dividir-se em três grupos: i) as irrelevantes ii) as contraproducentes e iii) as substanciais que como veremos são também contraproducentes.
Entre as irrelevantes temos a descida do IRC de 17% para 12,5% nos primeiros 50 mil euros com o objetivo de ajudar as PMEs a internacionalizar-se. Esta medida gera uma poupança máxima de 2.250€ anuais. Como se internacionaliza uma empresa com essa verba? Outras irrelevantes: criação de prémio PME Lider ESG, o lançamento de estudos oceânicos, a elaboração de plano de combate à acidificação dos oceanos, etc..
As contraproducentes, as que levam a feitos contrários aos desejados, incluem: a) permitir a professores e investigadores manter exclusividade a par com a gestão de algumas empresas, medida que destrói o conceito de exclusividade, b) a implementação de avisos em contínuo dos concursos para os subsídios, que implementa o sistema do primeiro a chegar primeiro a ser servido em vez da avaliação do mérito comparativo dos projetos, permitindo privilegiar os piores se mais rápidos.
As medidas substanciais concentram-se em dois eixos: i) uma baixa relevante do IRC e outros impostos sobre as empresas (12 medidas) e; ii) um apoio alargado ao Turismo (17 medidas). Elas revelam indiretamente a visão do Governo para o futuro do nosso país. Um país pobre, desigual, sem serviços públicos e especializado no Turismo.
A descida do impostos não aparece compensada por receitas alternativas pelo que, mantendo-se as restrições orçamentais, pronuncia uma redução correspondente da despesa e esta uma deterioração ainda mais acentuada dos serviços públicos de Educação e Saúde.
Trata-se de uma transferência de rendimento das classes populares (dependentes dos serviços públicos) para os mais ricos (detentores das empresas). Trata-se igualmente de trocar o Futuro pelo Curto Prazo, ie a Educação e a Saúde por uma ilusória aceleração de curto prazo da economia.
A prazo é uma medida contraproducente que através da redução do investimento em Educação nos empurra para setores económicos como o Turismo.
Os economistas cunharam o termo doença holandesa (Dutch disease) para designar o desenvolvimento de uma atividade económica, que absorvendo o investimento e os apoios, leva ao simultâneo declínio dos restantes setores.
Em Portugal o turismo cresce de forma descontrolada representando uma parte cada mais significativa do PIB. Naturalmente esse crescimento faz-se à custa da redução relativa de outros setores, quer pela absorção de uma percentagem cada vez maior da mão-de-obra, quer do investimento. Portugal contraiu já o mal holandês.
Assim as medidas do programa dirigidas ao turismo surgem como medidas contraproducentes para o crescimento económico do país já que estimulam a progressão do turismo à custa dos restantes setores.
O Turismo em Portugal assenta em mão-de-obra precária e barata. São estrangeiros os operadores que angariam os turistas, as companhias aéreas que os transportam, os hotéis que os alojam e a comida que os alimentam importada, e praticamente só a mão-de-obra nesta longa cadeia de valor é local.
Os países que dependem do turismo são em geral pobres e sem mão-de-obra especializada. De acordo com o World Travel & Tourism Council em Portugal o Turismo representa 19,1% do PIB e 20% do emprego. Tal peso na economia coloca-nos em 5º lugar do mundo! Situação sem paralelo na União Europeia. Cerca de 1 milhão de pessoas trabalha nesta indústria em Portugal. Naturalmente a geração mais instruída de sempre prefere emigrar acabando por morrer nos acidentes de construção civil do centro da Europa, como recentemente na Suíça.
Nos rankings do peso do turismo no PIB Portugal ombreia, não com os mais desenvolvidos, mas com as Maldivas (10.000 USD per capita), Seychelles (12.000 USD), Bahamas (27.000 USD), Tonga (4.500 USD) e Aruba (29.000 USD) – territórios arquipelágicos com PIB per capita diminuto. Eis aquilo em que nos estamos a transformar.
Entre 2020-2022 o PIB de Portugal cresceu em termos reais 1,4% ao ano, em 2023 ficou nos 2,3% e as previsões para 2024 alojam-se entre os 1,6% (OCDE) e os 2,0% (Novo Banco) com o consenso a situar-se nos 1,8%. Para 2025 o consenso estabiliza em 1,9%. Eis a grande aceleração. Baixar relativamente a 2023 e subir 0,1% em 2025 relativamente a 2024 mas ainda abaixo de 2023.
Na novilíngua orwelliana do Governo Montenegro aceleração significa marcha-atrás.
Uma resposta
Obrigado meu caro pela clara sistematização do que todos nós sentimos mas tantos como eu ficam à espera dos resultados elaborados por quem sabe e labuta na poda.
Um abraço