Liberté, Égalité, Fraternité!

Por: António Mendonça

Bastonário

A atual crise política e económica francesa não pode deixar de nos remeter para o grande slogan da revolução francesa do século XVIII que marcou o fim de um velho mundo de privilégios e o advento de um novo mundo que, não obstante todas as contradições, iria marcar o devir histórico da chamada civilização ocidental em que hoje nos referenciamos.

No entanto, a interrogação é legítima: terá este slogan, algum significado na atualidade e, em particular, no próprio país que o criou? A dúvida é tanto mais legítima, quanto é certo que o motivo imediato da queda do governo francês em 8 de setembro se ficou a dever à recusa por mais de dois terços dos deputados da Assembleia Nacional francesa de uma proposta de orçamento que implicava cortes orçamentais e outras medidas, num contexto de perspetivas económicas recessivas e de regressão do que se convencionou designar de Estado social.

De facto, a situação económica francesa não tem deixado de degradar-se ao longo das duas últimas décadas, com redução substancial das taxas de crescimento, elevados níveis de desemprego, em particular na sequência das crises de 2008-2009 e do Covid, em 2020, entrando numa dinâmica de estagnação a partir daí.

Expressão maior desta dinâmica económica têm sido os elevados défices orçamentais que, persistentemente, se vêm situando acima dos 4, 5 e 6%, do PIB, ameaçando continuar a agravar-se. Com reflexos dramáticos na dívida pública que ultrapassou a barreira dos 100% do PIB, em 2020, reforçando a trajetória ascendente nos anos seguintes e projetando-se para um nível de 128%, em 2030. Se juntarmos a isto os baixos níveis de investimento em produtividade e a perda estrutural de competitividade externa, temos um cocktail explosivo com evidentes repercussões no plano social e político de que a recente rejeição da moção de confiança é, apenas, uma expressão particular.

Infelizmente, a situação francesa não é um caso isolado e afirma-se como paradigma da situação da Europa, com particular ênfase na zona euro, remetendo para uma crise mais ampla e profunda, de natureza estrutural e sistémica, cujo diagnóstico e linhas de intervenção estão feitos nos recentes relatórios Letta e Draghi, em relação à qual parece existir uma postura de negação que se tem traduzido em inação, quando não incompetência. E que tem conduzido a economia europeia para uma espécie de labirinto em que se perde e cada vez se afasta mais da saída.

Esta postura é tanto mais negativa quando se vê acentuarem os sinais de fratura social e política, no plano nacional, comunitário e internacional, com a emergência de expressões de nacionalismo e de quebra de solidariedade. E em que a exacerbação de uma lógica de confronto e de antagonismo, que parece estar refletida na nomeação do ex-ministro da defesa, Sébastien Lecornu, para novo primeiro-ministro da França, mais não é do que uma manifestação de impotência para encontrar novas referências e modelos de cooperação interna e internacional que permitam dar resposta aos desafios atuais que, cada vez mais, são de natureza estrutural e global.

Voltamos ao slogan da revolução francesa porque pensamos que ele continua válido, como referência para uma nova intervenção no plano europeu que privilegie o reforço da integração  na resposta aos problemas. Com aposta numa visão estratégica e de afirmação global, que reconcilie a liberdade individual e de iniciativa, com a recuperação de uma lógica de igualdade de oportunidades e de distribuição produtora de incentivos e de mobilidade social e da afirmação de uma cultura de fraternidade geracional, nacional e comunitária.

 

In Jornal Económico – 12 de setembro de 2025

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